Repensando a Inclusão

15/07/2010 15:27

 

CRADD

Centro de Referência e Apoio às Desordens do Desenvolvimento

13 julho

Repensando a Inclusão

 
 

A mensagem abaixo é um comentário a respeito do  informativo recebido por nós no dia 12 de julho. Vale a pena ler para repensarmos o assunto.

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Caros amigos,

Sou pai de um garoto autista que, daqui a 9 dias, fará 14 anos.

Quando ele tinha 7 anos nós, a família, nos mudamos p/ o Canadá e aqui ele passou a frequentar a escola pública, mas inserido em uma sala especial com 6 crianças (todos autistas) dentro da escola regular. A escola era p/ crianças de 6 a 12 anos (é a Escola do Nível Elementar), tinha cerca de 400 alunos e duas salas especiais c/ 6 cada (uma p/ autistas de 6 a 9 e outra de 10 a 12).

Cada sala especial tinha (tem) 1 professor(a) da educação especial com especialização em Autismo e 1 outro(a) auxiliar com formação semelhante, “mais novo(a)” em termos de formação e experiência. E “as salas” ainda tinham uma espécie de servente exclusiva p/ ajudar aqueles 4 profissionais, além da evidente supervisão da Comissão Escolar do território da escola (tipo CRE).

O primeiro professor do meu filho era Mestre em Educação Especial e ele me contou que este sistema fora implantado após verificarem que a Inclusão, nos moldes que é tentada no Brasil, fora tentada aqui também por vários anos e não dera certo. Esta Inclusão é boa na intenção e na teoria, e até tem resultados animadores enquanto eles são pequenos ou bem pequenos, mas ela vai se tornando muito problemática quando eles crescem e vira um inferno p/ os autistas quando chegam à adolescência.

Ele me contou que foram vários os casos de regressão e algumas sequelas (psicológicas) levaram anos p/ serem saradas. E olha que as salas possuíam o que nós chamamos de facilitadores e os professores passavam por treinamento (e treinamento aqui é coisa séria, pode apostar) p/ lidar com os “especiais”.

(Abro aqui um parêntesis p/ dizer que estou falando de autistas e outras condições das chamadas desordens do desenvolvimento. Não estou falando das diversas outras situações especiais como cegueira, Down, surdez, etc, etc..)

A primeira “pedra” no caminho é a vocação do professor especial para lidar com autistas. Sabemos que muitos fazem a opção por este campo, mas poucos permanecem após 2 ou 3 anos por falta de vocação mesmo. Então achar que todo professor da rede regular teria condições de ter um dos nossos em sua sala é o primeiro equívoco que se comete. Não porque sejam pessoas menos capazes, mas por questões de habilidade mesmo, daquelas que fazem um sujeito ser engenheiro e um outro médico e um outro ainda advogado. Autistas (grandes, adolescentes) em salas com professores não vocacionados são “largados” à própria maldade dos colegas e da turma (majoritariamente involuntária, como gritarias, risadas coletivas de coisas engraçadas que o autista não entendeu, o eterno “não” das garotas – muitas vezes acompanhados da chacota natural de adolescentes “contra” o “doidinho” da sala, etc, etc, etc).

Outra “pedra” é que , na (grande) maioria da vezes, “nossas crianças” ficam p/ trás no quesito acadêmico (e isso gera enorme frustração), pois perdem parte importante do processo de aprendizagem que é a interação de alunos e professor e, quando se trata dos trabalhos em grupo, as desvantegens são obvias.

A experiência daqui, segundo este professor, produziu resultados gerais bem diversos (negativos) do que inicialmente imaginados, e por isso mudaram o sistema. Ele me disse ainda que um ou outro conseguiu até obter a graduação universitária, mas além de serem a exceção da regra geral, precisam de acompanhamento constante do serviço social por que têm muita dificuldade de estarem sozinhos no mercado, fazendo-se por si mesmos.

O que eles fazem hoje, então?

Eles praticam a inclusão social, não acadêmica. Eles se juntam à turmas regulares na maioria das atividades extra classe como no coral, nas gincanas, nos passeios, no almoço, no ônibus escolar e são sempre muito aplaudidos nas apresentações p/ pais e alunos (todo fim de semestre). Enfim, eles são parte integrante da escola sem se sujeitarem a vexames cotidianos. E são muito mais felizes e produtivos assim.

Já no ensino secundário a coisa muda de figura, pois o secundário aqui (a chamada  High School, dos 13 aos 17 anos) é algo mais determinante na formação profissional. Ter o diploma da High School é o único requisito p/ ingresso em qualquer dos tipos possíveis de formação profissional, desde o técnico mais básico ao nível universitário. Nossos autistas, então, vão p/ centros ou escolas que não lhes outorga este Diploma, mas ficam com eles até os 21 anos e os capacitam em uma profissão ou atividade técnica diversa, como mecânica de automóveis, cozinha, tapeçaria, informática, carpintaria e muitas outras. Vale lembrar que aqui qualquer profissão é bem remunerada e permita ao trabalhador ter vida digna.

Estes centros e escolas, alguns privados, têm supervisão do (forte) Serviço Social, que faz convênios com (diversas) empresas para assegurar-lhes o emprego dentro de “ambiente protegido”, que conta com profissionais deste Serviço Social in loco. Estas empresas têm prioridade na prestação de serviços ao governo, por exemplo.

Acredito, que a coisa mais fácil deste mundo é matricular nossos especiais na rede regular. Mas e daí? Pensa-se que, num passe de mágica, os profissionais que lá estão estarão (realmente) capacitados a lidar com seu filho? Pode-se ficar o tempo todo em classe p/ ver o que está se passando lá? Cuidado: não se iluda com discursos bonitos (o da Inclusão é lindo, assim como também o é o do Comunismo e tantas outras utopias) que, na prática, são bem diferentes. Lembre-se que até o Nazismo seduziu milhões de pessoas na antiga Alemanha. Discurso é discurso. Realidade é outra coisa. E o mais provável é que o aluno com autismo viverá no mundo real, longe da propaganda da Inclusão, que prega que toda classe será acolhedora e os profissionais (da escola inteira) serão altamente qualificados. Nem no ensino regular dos melhores colégios isso acontece. Imagine a preparação p/ receber os especiais. Eles precisam de gente vocacionada, e isso (eu acho) é muito sério.

Não advogo que o Brasil deveria adotar o modelo canadense. Mas deveria estudá-lo e ver o que deu certo e errado e o que fez mudarem de rumo (com forte apoio dos pais, diga-se de passagem).

O meu filho fez a Inclusão quando tinha 6 anos e foi muito bom, mas ele já não acompanhava a turma totalmente naquela época (minha prima era a coordenadora de lá e eu tinha esta “informação privilegiada”. Sem ela eu provavelmente não saberia disso). Hoje, praticamente com 14, ele fala tudo (Português e Inglês, o que faz dele um ótimo dicionário ambulante rs), faz tudo sozinho (banho, higiene pessoal, etc) e está muito próximo dos “normais” em Matemática, Geografia e Ciências (História ainda é um “problema”). Ele não é Asperger. É Autista e vai continuar a ser autista enquanto a Ciência não conseguir estabelecer um processo seguro de regressão do quadro.

Eu e os profissionais que “cuidam” dele achamos que ele tem grande potencial de ter uma vida independente no futuro, ainda que sempre dentro do “guarda-chuva” do Serviço Social. E todo este desenvolvimento se deu FORA da sala regular. E seus colegas por aqui vão no mesmo caminho. E no edifício onde morei havia um adulto autista (35 anos) que morava com a mãe e era bem independente também. Sua mãe nos disse que ele era “péssimo” (comportamental) quando adolescente e melhorou muito quando foi p/ a mesma escola que meu filho está agora. Ele foi um caso de insuceso da Inclusão que conheci.

Então, o que vejo é que o “ambiente especial” está dando muito certo p/ o meu filho e não arriscaria mudar p/ algo do qual tenho muitas referências negativas.

E, me perdoe a franqueza,  não vejo como dar certo algo que é imposto a profissionais que não estão capacitados, ainda que dentro da mesma área. Eu, por exemplo, sou piloto de avião e helicóptero. E afirmo que são pilotagens completamente diferentes uma da outra. Mas o leigo, em geral, não imagina que sejam assim tão diferentes. E eu lhe digo que, se um piloto de avião tentar decolar com um helicóptero, ele tem praticamente 100% de chances de se acidentar.

Vejo o professor regular e o especial de forma muito semelhante. Portanto, toda cautela é pouco, ainda mais neste caso onde o “acidentado” será a criança atendida.

Me despeço por aqui, pedindo desculpas pelo longo email, mas afirmando que minha intenção é tão somente contribuir com idéias, sem a menor pretensão de achar que esteja completamente certo, mas tão somente passar-lhes uma experiência que, espero, possa ser útil de alguma forma.

Saudações

Cesar

 

Retirado do site: https://www.cradd.org.br/blog/repensando-a-inclusao  dia 15 de Julho de 2010 às 15:29